A noção de privacidade e de intimidade mudou muito nos últimos anos. Esta mudança, na verdade, é gradual e vem ocorrendo há décadas. Basta pensar no conceito de “apropriado” no contexto do comportamento esperado da mulher na sociedade ao longo da história, desde a necessidade de uso de chaperones e damas de companhia, na revolução causada pela minissaia e até nos padrões até hoje utilizados em algumas culturas para sinalizar o decoro e o pudor.
A ressignificação da privacidade é relevante quando se pensa na regulação jurídica de comportamentos porque as regras devem atender aos interesses da sociedade. Se as gerações futuras entendem que é banal escovar os dentes e dormir na rede social, este fato terá um peso e deve ser levado em conta quando da regulamentação de condutas, ou se corre o risco de que sejam elaboradas normas que não refletirão os anseios e as expectativas das pessoas, pelo que, no fim do dia, serão regras vazias.

O presente e as diferentes gerações
A tecnologia avançou de modo expoente desde sempre e o “gap” entre a geração que cria as normas e aquela que será potencialmente beneficiada por estas normas nunca foi tão evidente. Os legisladores e reguladores que estão escrevendo de que modo as pessoas e as empresas devem se comportar na sociedade de dados nasceram, em sua grande maioria, em um mundo que ainda era analógico. Essa aclimatação à qual precisaram se submeter nos últimos tempos, embora os tenha transportado para o presente, que é o futuro do ontem, não engendrou em suas mentes o significado de nascer e existir “desde sempre” em um mundo conectado. Isso não é algo que se aprende, é antes uma intuição e uma característica.
Continuamos presos a padrões que talvez se apliquem à nossa geração, mas que certamente não se replicarão entre aqueles que nos sucederão. Estamos preocupados em fechar as cortinas, mas de nada adiante embarreirar a janela se há câmeras dentro de casa transmitindo tudo o que acontece.
O letramento digital e o futuro da regulação
Para lidar com essa mudança de paradigmas, é importante, antes de mais nada, que as pessoas recebam educação, letramento digital, informação sobre as consequências de suas escolhas. Só assim poderão agir de modo informado inclusive para recepcionar regras com as quais não concordem intrinsecamente ou para ajustá-las conforme suas necessidades reais.
Além do letramento, é fundamental que a geração que legisla e regula ouça a geração regulada, que recepcionará e colherá o fruto de seu trabalho. É preciso, especialmente nos pontos de discordância, dialogar e conciliar. A atitude de “eu sei o que é melhor para você” não encontra espaço em tempos de constitucionalismo digital, regulação global e acesso de todos ao mundo conectado. Se a ideia é que o Direito continue cumprindo sua função social, e não que se torne um protocolo vazio, é preciso que as leis façam sentido àqueles que pretende beneficiar.
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