Em um cenário corporativo cada vez mais digital, os dados se tornaram ativos estratégicos de altíssimo valor. E, neste contexto, o setor de Recursos Humanos (RH) emerge como peça-chave na proteção de dados. Afinal, é o RH que atua diretamente na interseção entre os dois bens mais valiosos de uma organização: as pessoas e seus dados pessoais. Neste artigo, você vai entender como o setor de RH pode (e deve) liderar o movimento pela privacidade e proteção de dados dentro das organizações.
O ciclo de vida do colaborador: Da entrada à saída, tudo é tratamento de dados
O protagonismo do RH na proteção de dados se torna evidente quando analisamos o ciclo de vida do colaborador. A área de RH é a porta de entrada e saída da organização. Desde o recrutamento até o desligamento, há tratamento de dados — muitos deles sensíveis.
Durante a seleção e recrutamento, por exemplo, dados como nome, telefone, e-mail, endereço residencial, formação acadêmica, resultados de testes psicotécnicos e até dados de saúde já são processados. Na admissão, a inclusão em benefícios corporativos exige o fornecimento de documentos de identificação, dados bancários e dados de dependentes.

Ao longo da contratação, avaliações de desempenho, treinamentos e ações de clima organizacional também demandam o tratamento constante desses dados.
Por fim, no desligamento, são tratados dados relacionados à rescisão contratual, como tipo de desligamento, termos de quitação, comunicações internas e externas sobre a saída, bem como dados utilizados para emissão de documentos legais, cálculo de verbas rescisórias, encaminhamentos ao eSocial, atualizações no CAGED e registros de eventuais acordos trabalhistas ou judiciais. Além disso, o RH costuma realizar entrevistas de desligamento, nas quais são coletadas informações sobre os motivos da saída e percepções do colaborador quanto à experiência vivenciada, o que também configura tratamento de dados pessoais.
Nesse sentido, é indispensável que o RH observe as hipóteses legais da LGPD (arts. 7º e 11º), adote medidas técnicas e administrativas de proteção (art. 46) e siga regras de boas práticas (art. 50). O mapeamento das atividades de tratamento, para a categorização dos dados tratados, dos titulares e a definição clara de finalidades e prazos de retenção, bem como, compartilhamentos e formas de descarte são fundamentais para garantir a conformidade.
Porque o RH precisa estar atento
A área RH, por lidar diretamente com um volume elevado de dados, posiciona-se como uma das áreas mais críticas sob a ótica da proteção de dados. As ameaças e os riscos são diversos e podem se originar de vulnerabilidades físicas, como o armazenamento inadequado de documentos, falta de controle de acesso a arquivos e descarte incorreto de documentos. E de vulnerabilidades tecnológicas, como vazamento de informações caso um e-mail seja interceptado ou acessado por terceiros não autorizados, acessos não autorizados a sistemas utilizados pela área de RH entre outros.
A área de Recursos Humanos configura-se como um vetor altamente atrativo para agentes mal-intencionados. Importante ressaltar que, de acordo com levantamento divulgado pela Mimecast, o erro humano foi a maior causa dos ataques cibernéticos ocorridos em 2024, respondendo por 95% das violações de dados.
Incidentes de Segurança envolvendo dados sob a custódia do RH podem comprometer a credibilidade interna e impactar negativamente os negócios da organização. Vale lembrar que as repercussões não se restringem à organização — que pode sofrer sanções da ANPD, ações judiciais e danos reputacionais. O colaborador do RH também pode ser responsabilizado, inclusive com demissão por justa causa, nos termos do art. 482 da CLT, se descumprir diretrizes internas de proteção de dados, especialmente após treinamentos formais.
Soluções práticas e estruturadas
Estar em conformidade com a LGPD exige mais do que ações pontuais. Torna-se imprescindível a implementação e a manutenção de um Programa de Governança em Proteção e Privacidade de Dados, nos termos do artigo 50 da referida legislação. Tal programa constitui um ciclo operacional contínuo, que alinha as boas práticas de governança corporativa aos dispositivos legais vigentes, incorporando de forma transversal os princípios de segurança da informação, gestão de riscos e accountability. Mas como aplicar isso na prática?
A aplicação prática da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) no ambiente corporativo pode ser estruturada em duas fases distintas. A primeira refere-se à fase de implementação da conformidade, momento em que são mapeadas todas as atividades de tratamento de dados pessoais. Nessa etapa inicial, elabora-se a documentação exigida pela legislação, como o Registro das Operações de Tratamento de Dados Pessoais (ROPA) e o Relatório de Impacto à Proteção de Dados Pessoais (RIPD).
Além disso, são desenvolvidas políticas internas, e os processos e procedimentos existentes são revisados ou reformulados a fim de assegurar sua aderência aos preceitos legais. Durante essa primeira fase, práticas inadequadas historicamente consolidadas nas rotinas organizacionais – como a coleta excessiva de dados, o armazenamento prolongado e sem critérios de segurança, o compartilhamento indiscriminado e o descarte irregular de informações – devem ser identificadas, corrigidas e substituídas.
Uma vez concluída a fase inicial de adequação – voltada à estruturação documental, revisão de processos e mitigação de riscos –, inicia-se uma segunda etapa, marcada pela incorporação sistêmica da privacidade e proteção de dados nas rotinas institucionais, em consonância com os conceitos de Privacy by Design, Privacy by Default e Privacy by Redesign.
Destaca-se que a implantação de um programa contínuo de treinamento, conscientização e educação é elemento indispensável para garantir que os colaboradores atuem de forma alinhada às diretrizes legais e organizacionais no tocante à proteção de dados pessoais. Nesse cenário, sobressai a gamificação como estratégia metodológica inovadora, capaz de potencializar o engajamento e a retenção do conhecimento por meio de experiências interativas.
Conclusão
Implementar mudanças estruturais, especialmente aquelas que envolvem o abandono de práticas consolidadas, nunca é fácil. Mas, no contexto da LGPD, negligenciar essas mudanças é um risco que nenhuma organização pode correr.
Com a promulgação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), o respeito à privacidade e à proteção de dados deixou de ser uma escolha para se tornar uma obrigação legal e ética. Para organizações que, historicamente, não cultivaram uma cultura voltada à proteção da privacidade de seus colaboradores, clientes, parceiros e demais stakeholders, a imposição de regras sobre o tema pode provocar resistência e insegurança, sobretudo entre os profissionais que lidam cotidianamente com atividades relacionadas ao tratamento de dados pessoais. Nesse contexto, torna-se fundamental adotar estratégias pedagógicas e comunicacionais que promovam o engajamento, o esclarecimento e a adaptação progressiva à nova realidade regulatória.
O comportamento conhecido como “síndrome de Gabriela” — “eu nasci assim, eu cresci assim, eu sou mesmo assim, vou ser sempre assim” — que simboliza a resistência à evolução e à adoção de novas práticas, deve ser ativamente combatida no contexto da governança de dados.
Portanto, o RH é mais do que um operador de processos — é um agente formador de cultura. Quando o setor atua com excelência, influencia diretamente as demais áreas da empresa. Como porta de entrada de colaboradores e elo constante com as lideranças, o RH é o vetor ideal para espalhar a mentalidade de proteção de dados em todos os níveis. Essa atuação não apenas mitiga riscos jurídicos e regulatórios, mas fortalece a reputação da marca e a confiança dos stakeholders.
Sua empresa já capacita o RH para atuar como guardião dos dados pessoais? O momento de agir é agora.